quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ensinar a pescar

Minha avozinha nasceu em 1901 numa aldeia da Serra da Estrela, em Portugal. Ainda criança emigrou para fugir da fome que crescia nos campos portugueses. Nunca chegou a enriquecer no Brasil, mas tinha uma situação que lhe permitia ajudar aos mais necessitados. Cresci vendo-a servir refeições a senhoras e crianças muito pobres, que ela recebia no quintal de casa. Também acionava suas redes para conseguir roupas usadas.

Na universidade ensinaram-me que isso chamava-se assistencialismo e não era bom. Havíamos antes de "ensinar a pescar" e esses blábláblás que cabem bem na frente da sala de aula.

Ontem, quando postei os números da fome no mundo, descobri este sítio da Moira que, por uma dessas coincidências, também tratava do assunto. E lá fiquei sabendo que ela, ainda hoje, faz a mesma coisa que a minha avó fazia: alimenta pessoas pobres. Com a diferença que ela mora em Portugal, na rica Comunidade Européia dos euros com que tantos brasileiros sonham.

Quatro gerações se passaram desde que a fome expulsou minha avó da terra dela; e a fome continua a matar, a excluir, a destruir o futuro das crianças em todo o mundo.

Olho agora para todas as varas, linhadas e anzóis com que aportei em África para "ensinar a pescar" e me ponho a pensar: não seria melhor seguir o exemplo da Moira e da minha avó? Não tiraria pelo menos uma alma da tal lista macabra?

Não sei a resposta. Se é que há uma resposta.

Enquanto isso, outras 25 mil pessoas morrerão hoje no mundo por falta do que comer.

9 comentários:

Anônimo disse...

Oi, F.,

Se prepara que hoje o comentário é grande. Haha! ;)

Pode até ser assistencialismo, mas eu te garanto: muita gente não sabe o que é pobreza extrema, miséria mesmo.

Eu sou a favor do prato de comida e a ensinar a pescar. Sabe por quê?

* Porque cresci vendo minha mãe, professora em lugares carentes, falar que as crianças vão à escola porque lá eles matam a fome. E se foram pela merenda, alguma coisa acabam aprendendo, ainda que um mínimo.

*Porque eu também tive uma avó especial como a sua(porque pessoas assim são especiais demais), que tinha uma vidinha tranqüila, criava galinhas e tinha uma horta para se distrair. Vendia os produtos de seu hobby porque tinha alma de negociante, mas vivia levando "prejuízo" distribuindo os ovos(se é que isso pode ser considerado prejuízo, né?)e verduras para quem passava esmolando comida. Ainda dava umas mudas ou sementinhas das verduras e ensinava a pessoa a plantar em casa.

*Porque EU CANSEI de ver pacientes no andar que eu trabalhava, pedirem para não ter alta hospitalar porque não tinham o que comer em casa e não conseguiam emprego de jeito nenhum.

*E por último, porque ninguém consegue ficar no barco e pescar se estiver de barriga vazia.

Agora, que há gente que se aproveita disso para levar a vida na flauta, isso há. Mas o que importa, na minha opinião, é fazer a nossa parte. Colocar a cabeça no travesseiro à noite e pensar: pelo menos hoje, um deixou de morrer porque não tinha o que comer.
Abraços.

Anônimo disse...

F., anos atrás li um artigo do Stephan Kanitz sobre os que defendem a idéia de "ensinar a pescar" e criticam o assistencialismo.
Ele pregava uma ídéia que também compartilho: muitas vezes as pessoas se encontram em tal estado de degradação que só uma ajuda assistencial o fará ter condições de aprender a pescar.
Há muitos anos participo de uma ONG que tem essa mesma postura, por isso se chama "Instituição Assistencial e Educacional Amélia Rodrigues". Primeiro a gente procura dar à pessoa os cuidados fundamentais: alimentação e saúde. Depois tentamos educá-la, ensinando-a a pescar.
O trabalho já tem 20 anos e os resultados são gratificantes.
Se tivesse mais gente que pensasse como a sua avó, certamente os números seriam bem diferentes...
Celina

Migas disse...

Eu também acho que não há a fórmula correcta.

No outro dia, liguei a uns ex-trabalhadores para falar sobre um assunto. O moço dizia que gostava muito de poder voltar a trabalhar comigo. Eu agradeci-lhe, em tom de brincadeira por me ter ensinado tantas coisas da terra dele e ele riu-se e disse: Não, eu é que agradeço com o que aprendi. O que sei agora sobre este trabalho, devo a si. Ora, eu concordo contigo F. quando dizes que vieste para cá ajudar a pescar. Eu também faço isso aqui. Mas, se os via com sede (mais do que com fome) eu tinha de lhe resolver o problema. E atenção, eles não trabalhavam para mim! Ou seja, não era obrigação da minha empresa dar-lhes água para beber. Às vezes até penso que não tenho jeito para estar aqui. Porque sou "mole" demais e depois, como no caso da minha empregada, eles trepam demais! Ontem, ela saiu dos limites: bebeu a água mineral que tinha no frigorífico e encheu com a da torneira (imprópria para consumo). Nem sei que faça! :o)

m.Jo. disse...

Quem tem fome tem pressa. Foi o Betinho quem disse isso, não?
Josie

Anônimo disse...

Tudo depende da consciência de cada um.Apesar de não ser apologista da sua obra, e não morrer de amores por ele, o Mao Tsé Tung, afirmou no seu Livro Vermelho, por palavras mais ou menos assim,"que não se deve dar o peixe, mas sim a cana de pesca e ensinar a pescar".No tempo das nossas avós, talvez as suas atitudes de ajudar o próximo, a nível individual, tivessem pertinência, mas hoje, o problema atingiu tal dimensão, que só o esforço de muitos na luta contra os monopólios e lobbies internacionais ligados a produção e comercialização de alimentos, poderemos fazer algo,cada vez há mais fome no globo, e África está mais pobre, é o continente sacrificado, apesar de ter muitas riquezas no seu solo e sub-solo, mas não é só África, até na Europa já há fome e nos EUA a pobreza atinge números nunco vistos.

Anônimo disse...

Oi F.,
Encontro-me em terras de Trás-os-Montes, exactamente em Sendim, li o seu post hoje de fugida, e apesar de concordar consigo, no que diz respeito a ensinar a pescar, às vezes a degradação é tão grande que eu apesar de não concordar sou "obrigada" a entregar o peixe... Não fico mais pobre por isso! Fico feliz por postar mais uma vez sobre o assunto, e espero que muitas mais pessoas o façam, é importante que toda a gente perceba a miséria que assola cada vez mais metade da população mundial. Entretanto e falando de coisas mais agradáveis, amanhã vou à pesca no verdadeiro sentido da palavra, pode ser que tenha sorte o Rio Douro ainda tem peixes... e dos grandes.
Bjs de Portugal

F. disse...

Paty e Celina, acho que vocês estão certas. Talvez nem todos os que têm boas condições de vida possam ensinar a pescar. Mas todos os poderiam dar um prato de comida para ajudar a diminuir essa desgraça na terra.

Migas, já pensastes que ser "mole demais" pode ser uma qualidade que pouca gente tem e de que este mundo anda a precisar muito? Agora, quanto à sua empregada, realmente a situação está a tornar-se insustentável.

Josie, estás certa. Foi o Betinho mesmo, de saudosa memória, quem disse essa frase.

Sabe Fernando, sempre acreditei, como você, que questões como essa exigem soluções estruturais, duradouras, que possam resolver em lugar de mitigar o problema... Mas o tempo passa e não vejo nada realmente acontecer, que acabo ficando desanimado.

Moira, eu vi em teu sítio que estavas a viajar. Espero que tragas bons peixes de Sendim ;o)

Anônimo disse...

Eis um grande dilema. Ensinar a pescar ou dar o peixe. Alguns políticos preferem dar os peixes para o povo e guardam o caviar para os amigos. Para pensar.
chr

F. disse...

Isso acontece muito mesmo, CHR. Mas porque é que a gente vive colocando esses políticos de novo lá no poder?