sábado, 19 de julho de 2008

A tristeza que vira felicidade

Ainda inspirada no post da Migas, Diferenças Culturais, quero contar a história de uma amiga angolana:

Laura tem minha idade, 32 anos, e como a afinidade fluiu de forma natural desenvolvemos uma boa amizade. Com ela aprendi muito sobre a cultura angolana, mas definitivamente sob influência do seu ponto de vista ocidental. Sim, Laura é uma mulher muito inteligente, e que sempre fez questão de demonstrar que os seus anos de Europa não foram em vão.

O namorado da Laura é que por vezes deixava um pouco a desejar... Artur, homem também de muito bom nível cultural, nunca que pedia a mão da moça em casamento. A ansiedade da Laura ia crescendo, mas a vida seguia o seu rumo habitual.

Um dia Laura me liga desesperada a dizer que precisava conversar. Ao encontrá-la sua frase foi curta e direta: “Meu teste foi positivo”. Não entendi, pensei que fosse o de gravidez, mas neste caso sua alegria seria imensa. Ela então prosseguiu: “Tenho o vírus da SIDA”. Eu não sabia o que falar, mas ela precisava do meu apoio. Passamos longas horas conversando e perguntei se o Artur tinha feito o teste também. Ela disse que não, mas explicou que ela optara por fazer o teste por desconfiar dele.

Foi difícil para Laura convencer Artur, que depois só aceitou abrir o envelope do laboratório ao lado dela. A descoberta para ele também foi dolorosa, mas ele tinha então o apoio dela.

Difícil para mim é explicar agora a aura de cumplicidade que surgiu entre os dois. Um tempo depois Artur a pediu em casamento, e daí para frente a minha amiga é uma mulher radiante, transbordando felicidade!

7 comentários:

Migas disse...

Oi Flávia! A minha ausência nos últimos dias faz-me crer que esta é a sua primeira participação e se assim fôr: bem vinda! :o) Muito gosto parilhar esta casa consigo também!

Confesso que este post me deixou bastante chocada. Incrível a capacidade da Laura para "perdoar" o Artur. Não sei se agiria da mesma forma mas, por um lado, talvez até seja a forma mais inteligente. Infelizmente muitos angolanos quase que se resignam de que um dia, também lhe irá calhar a eles e por isso não tomam qualquer tipo de precauções. Na minha ex-empresa uma das secretárias faleceu com 30 e poucos anos e uma filhota de 8 anos. Muito triste... acho que este é um tema a ser tratado com toda a urgência e eficácia, neste país!

Anônimo disse...

F.,

Aqui onde moro, se a pessoa é estrangeira e descobre ser portadora do vírus HIV, é deportada na hora. Discriminação mesmo! Se é cidadão local, o governo trata, mas não há estatísticas sobre o número de portadores e quantos já morreram porque desenvolveram AIDS.
No Brasil, fiz estágio em um centro de testagem anônima e alguns fatos me chamaram muito a atenção:
- o número de pessoas a fazer o teste aumentava absurdamente após o carnaval. :s
- as pessoas, mesmo as de um bom nível cultural, sempre achavam que não ia acontecer com elas.
- as mulheres SEMPRE foram mais tolerantes e apesar de sofrerem muito com a descoberta, perdoavam os parceiros que as tinham infectado. Os homens, jamais vi algum que perdoou a esposa que tinha sido a causa do marido ter contraído a doença.
- o resultado positivo criava, na maioria das vezes, um laço maior entre os portadores da doença, como você relatou no seu post.

Fico feliz que a Laura esteja conseguindo superar as dificuldades. Não é nada fácil conviver com todos os problemas que esta doença traz, especialmente, com o preconceito. Como a Migas, se eu fosse a Laura, também não sei se conseguiria perdoar o Artur... Bjs, Paty.

Flávia da Costa disse...

Oi, Migas
Este é o meu primeiro post sim, obrigada pela recepção calorosa!

Escolhi este tema porque acredito que discuti-lo é o primeiro passo para combater o preconceito.

Paty,
Obrigada pelos dados das Arábias e do Brasil. Pelo visto há grandes semelhanças.

Quanto ao "perdoar", amigas, as angolanas aprendem desde a infância. Para nós é fácil dizer não,mas para elas a visão é diferente porque a vida lhes exige mais.
Beijos!

F. disse...

Flavinha, bem-vinda à Casa! Demorou, mas você chegou!

Essa história mostra bem como o problema da AIDS, ou SIDA, como ele dizem aqui, continua fora de controle mesmo entre as camadas mais esclarecidas da população. A Paty deu uma idéia de como a sociedade do Bahrein lida ocm a situação. Você tem uma idéia de como a sociedade em Angola trata os soropositivos?

Bjs,

Flávia da Costa disse...

Há preconceito sim, e por conta disso muitas e muitas pessoas se negam até mesmo a fazer o teste.
Mas por outro lado a lei angolana é ótima: Proíbe que o teste seja requisito para contratação de trabalho; proíbe demissão; está tentando implementar programas de tratamento; e autoriza que os/as parceiros/as sejam alertadas para a necessidade de investigação mesmo que o paciente não o faça espontaneamente. Quando trabalhei na Inglaterra a confidencialidade do paciente era preservada mesmo que pusesse a vida das esposas em risco.

Anônimo disse...

Flávia,
Você vê como são as coisas... Tanto preconceito contra a África e, no entanto, a legislação é tão mais moderna, proibindo o teste obrigatório admissional (o que eu acho corretíssimo). Já tivemos um amigo que gostaria de mudar para Dubai (aqui ao lado), excelente profissional e não pôde vir porque era soropositivo.
A confidencialidade aqui também sofre. Eles contam para todos a condição do paciente. Eu acho tão errado, sabe?
Eu não tinha visto que era o seu primeiro post. Adorei! Bem-vinda! :)

Anônimo disse...

Acho que o texto postado pela Flávia mostra um exemplo de cumplicidade e solidariedade muito bonito. Uma vez constatado o fato, somar energias foi o porto seguro de ambos.
chr