sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fulano deixa Angola rumo ao Leste da África

Fulano, na primeira visita ao nosso antigo local de trabalho: 
ele vai deixar saudades em Luanda

Na semana passada, deixou Angola para fazer uma viagem de cinco meses entre a África do Sul e o Egito o nosso querido Fulano, uma verdadeira instituição dentro do círculo de amigos que transitam na órbita deste blog. 

Foi com ele, juntamente aos morados da Casa Branca, que vivi os momentos mais engraçados nesse país. Cafés na pastelaria Nilo nunca foram válvulas de escape tão boas quando ele resolvia destilar todo o veneno que na maioria das vezes sua educação britânica tolhia.

Rico, branco, bem nascido, falante de diversas línguas e morador de um dos bairros mais ricos de uma das cidades mais ricas do mundo, ele tinha tudo para nunca passar sequer calor, mas escolheu a África e mais particularmente Angola para dar o pontapé numa carreira profissional de sucesso.

Fulano foi a primeira pessoa que, no primeiro dia de Luanda, me levou até aos bares da Ilha, ao alto da Fortaleza de São Miguel, me mostrou as luzes da baía a partir da perspectiva do Miramar e disse, com sua voz pausada: "esse é o lado turístico de Luanda, amanhã vamos ao Roque Santeiro". 

Nesse tempo todo - um ano! - transformou-se na maior autoridade expatriada em Catorzinhas que eu conheci. Sabia tudo ao pormenor do que elas gostam ou não. Nesta festa, atingiu o pico da tietagem. Deve ter tido por aí umas dez namoradas angolanas e, no meu entender, foi embora com o coração em frangalhos por causa de uma muito bonita. 

Viu Angola talvez com a perspectiva mais interessante de todos nós, o grupinho que transita na órbita do blog. Tal qual um São Francisco de Assis, despiu-se de toda riqueza e ajudou muito, mais muito, todos aqueles que sentaram ao seu lado durante 365 dias.

Segue bem, Fulano, nessa longa jornada pelo lado leste da África.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Malanje

Passei o carnaval no coração de Angola...

Fomos pra Malanje 450km de Luanda, fica bem no meio de Angola, outro mundo! As estradas estão sendo arranjadas então em muitos pedaços tem desvios e buracos, mas dá para ir tranqüilo. Demoramos 6 horas para chegar por causa do trânsito para sair de Luanda.

Chegamos em Malanje que é a capital da província, lá tem praticamente duas ruas, uma que vai e outra que volta. Não há muito que se fazer por lá, tirando a pracinha principal toda florida a cidade ainda está meio abandonada.

No domingo fomos até kangandala que é uma aldeia mais ou menos 20km da cidade em estrada de terra, lá disseram que tem um parque onde existem as Palancas Negras.

Para chegar no parque são mais 25 km após a aldeiazinha em lama pura. No caminho encontramos várias pessoas de bicicleta que estavam levando mantimentos e pediram para a gente levar pra eles e fomos enchendo o carro... fomos indo, indo, indo até que chegou num ponto onde não podia mais passar pq a estrada ainda tinha minas (mais de 6 anos após o fim da guerra). Deixamos um menino com seus mantimentos pra quem nós tínhamos dado carona.

Nessa aldeia bem pequena tinha umas crianças que nunca tinham visto brancos e ficaram com medo da gente. Todo mundo da aldeia saiu para ver e tirar foto com a gente. Lá descobrimos que a entrada do parque era há uns 15 km atrás...

Voltamos a estrada péssima, super tensão durante vários momentos o carro saiu do controle, deslizando na lama... Mas finalmente achamos o caminho certo a estrada ainda péssima até que aconteceu o inevitável. Atolamos!!!

O lugar é maravilhoso parece que você está andando no meio da mata atlântica, um verde incrível... Bom a sorte foi que começou a passar gente de bicicleta um aqui outro ali e fomos angariando ajudantes. Mão na lama, madeira daqui, mato dali e uma formiga africana me mordeu.. Olha doeuuuuu muito!!!!!

Depois de mais ou menos 2 horas e 5 anjos que pararam para nos ajudar conseguimos desatolar o carro e o jeito foi voltar sem ver palanca nenhuma.

Na segunda fomos até as quedas de Kalandula, uns 80km da cidade. O lugar é muito bonito, ficamos o dia todo lá e arrumamos um hotelzinho simples, mas limpinho, aliás, o único da cidadezinha. Essa cidadezinha é ainda menor que Malanje só tem uma rua que vai e volta. Ai vc chega num mirante para ver as quedas espetaculares, dá para andar nas pedras em cima das quedas, vc anda e vê as mulheres lavando roupa e tomando banho (banho de verdade com direito a sabonete e tudo o mais). Mas infelizmente não da para descer ainda para a parte de baixo da cachoeira pq no caminho tinha uma ponte que foi destruída na guerra e ainda não foi refeita.

Na terça fomos para as Pedras de Pungo Andongo, umas formações rochosas que aparecem no meio da planície. O caminho inteiro é só verde, verde, verde. Muita terra fértil e nenhuma plantação. Num país tão pobre onde tanta gente passa fome não dá para entender isso... Mas enfim, as pedras são muito bonitas e tem uma lenda que a Rainha Ginga quando fugiu dos portugueses deixou uma pegada numa das pedras de lá, então o lugar tem uma áurea meio mística também.

No caminho achamos uma plaquinha perigo que havia minas (não na estrada, mas nas matas ao lado da estrada), e depois cruzamos com um macaco enorme atravessando a estrada.

Uma experiência única!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Praia na Índia

Mais especificamente em Cherai, no estado de Kerala, no sul do país.

O cara mais esquisito do lugar era eu, usando bermuda e camiseta.

Razões para voltar

Da Namíbia enviei cinco cartões postais com fotos de animais. Um para cada criança da família. Todos chegaram, menos o da F., minha afilhada tão querida que faz sete anos hoje e curte feliz a banguelice própria da idade.

Quando o postal da irmã dela chegou e o dela não, F. tratou logo de ir culpando o carteiro:

- Essas pessoas de hoje em dia acham que as famílias só têm um filho. Por isso não entregaram o meu postal.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Carnaval de São Paulo homenageia Angola

Desfile da Tom Maior em 2008: o maior espetáculo da Terra vira os olhos para Angola

E tem mais Angola no Brasil essa semana!

Nada menos do que a Escola de Samba Tom Maior, representante máxima da minha querida Zona Oeste, em São Paulo, vai ter o país da Palanca Negra, do funge, do Kinaxixi, do Elinga, da Ilha de Luanda, das Quedas de Kalundulo, das Zungueiras, dos Kotas, Putos, Damas e Kambas como tema do desfile que vai colorir o sambódromo do Anhembi às 2h da manhã (hora local) do próximo sábado. Martinho da Vila vai ser homenageado também. A TV Globo Internacional transmitirá ao vivo (ou "em directo", ehehe).

De Luanda, fiquem com os dedos cruzados para a Tom Maior, que ficou em quinto lugar no ano passado, levar o título. E lembrem-se que no carnaval brasileiro tudo é estilizado. Os carnavalescos, esses verdadeiros poétas do asfalto, são livres para narrar o que querem. "Só quem sabe onde é Luanda saberá lhe dar valor", já cantou Gilberto Gil.

Patrulhas ideológicas, por favor, fiquem todas sentadinhas vendo o desfile! Nada de criticar as alas que falam da corte da Rainha Ginga ou das alegorias que retratam Agostinho Neto e outros vultos da Pátria, ok?

As informações abaixo são do jornal Folha de São Paulo.

Segundo o carnavalesco da Tom Maior, Marco Aurélio Ruffin, a sugestão do tema do enredo foi dada pelo cantor Martinho da Vila, que também será homenageado devido a sua canção "Tom Maior", que inspirou o nome da escola. O músico também é destacado por ser o embaixador cultural de Angola no Brasil.

Enredo

O enredo "Uma Nova Angola se Abre Para o Mundo! Em Nome da Paz, Martinho da Vila Canta a Liberdade" aborda a história, a cultura e, principalmente, a reconstrução de Angola após a guerra civil que devastou o país durante quase 30 anos.

"Angola tem muitas coincidências com o Brasil em relação à religião, à música e à espontaneidade do povo. Na verdade, a origem do samba se deu com o semba, uma música típica angolana que veio para o Brasil com os escravos e se transformou no samba", diz o presidente da Tom Maior, Marko Antônio da Silva.

O abre-alas da escola vai apresentar Angola destruída com o término da guerra civil. "Esse momento marca a destruição de Angola, mas também representa o início de um novo capítulo, um novo trajeto para o país. É um momento muito festejado por lá", afirma Silva.

Depois, a escola apresenta elementos da etnia angolana e da cultura do país africano, com destaque para a religião, que inclui a umbanda e a macumba.

As riquezas de angola também serão destacadas com um carro alegórico que representa o petróleo e outros minério explorados no país africano.

O último setor da escola vai fazer uma homenagem ao samba. Martinho da Vila deve desfilar neste último carro alegórico.

"A expectativa é superar o resultado do ano passado, em que ficamos em quinto lugar. Pelo nosso projeto acredito que estaremos disputando o titulo com certeza", diz o presidente da escola.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Ricco entra no Big Brother Brasil 9

Ricco, vencedor do último Big Brother África: agora, no Brasil

Lembram do Ricco, o angolano que ganhou a última edição do BBB África, tornou-se um dos rostos mais conhecidos do país, e cuja vitória frente aos 12 concorrentes foi marcada pela polêmica se entregaria ou não o prêmio de 100 mil dólares a uma instituição de caridade de Luanda?

Pois então: no próximo dia 28, Ricardo David Ferreira Venâncio, 21 anos, entrará na "casa mais vigiada do país" durante numa festa que terá DJs (será o meu amigo Malvado? Ou o Bruno M?) e comidas típicas de Angola no cardápio. Ricco ficará apenas 4 dias no programa, como já aconteceu com um argentino "noutra altura". 

Será, certamente, uma oportunidade ótima para nós, os "retornados", matarmos a saudade do sotaque daí, vermos se o comportamento de Ricco para com as brasileiras será o mesmo dos "kambas" que atacam as brazukas no Chill Out - e, last but not least, se o moço sabe dançar kuduro de verdade, e não essa dancinha que uma banda baiana anda por aí difundindo como original de Angola.

Fico imaginando como essa notícia vai causar um frenesi na imprensa angolana, nomeadamente na coluna Gente, de Alberto Pegado, do Jornal de Angola. Não falará-se-á noutra coisa no país da Palanca Negra durante semanas a fio...

PS: Dica preciosa do leitor paulistano AM

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Taj Mahal

"Foi a mais linda história de amor
Que me contaram e agora eu vou contar
Do amor do principe Xá-Jehan pela princesa Num Mahal
De de, dederede, de de, dederede, de de ... Taj Mahal"

(Jorge Ben Jor)

Ele é um símbolo internacional do amor eterno (no Brasil, virou até tema de samba-rock do Jorge Ben Jor). Maior complexo funerário do mundo, totalmente construído em mármore branco e adornado com pedras semipreciosas, o Taj Mahal ganhou essa fama porque, segundo a lenda, teria sido construído pelo imperador Shah Jahan como túmulo de sua esposa Mumtaz Mahal, que morreu ao dar à luz o seu 14º filho. Isso em 1632, numa sociedade onde a mulher, até hoje, tem um papel secundário.

História bonita e tal mas a verdade é que o Taj Mahal está se transformando, hoje, num símbolo de como a vida moderna destrói os sonhos românticos.

O primeiro golpe na lenda dos apaixonados vem da ciência. Historiadores enxergam um simbolismo escondido nas inscrições islâmicas que adornam as paredes do mausoléu. Estão reproduzidos ali 14 capítulos do Corão que tratam sobre o Dia do Julgamento Final e sobre os prazeres do paraíso. Um deles, no portão de entrada, é uma citação em que Alah convida os homens de fé a entrarem no seu paraíso.

Além disso, foi descoberto recentemente um texto em Sufi antigo que descreve como seria o trono de Deus e, adivinhem, a descrição é idêntica à planta do Taj Mahal. O texto constava da biblioteca do pai de Shah Jahan. Associando as duas evidências, os cientistas alegam que Shah podia, sim, ser muito apaixonado pela esposa. Mas que também se considerava Deus e o mausoléu, no caso, teria sido construído para ele mesmo reproduzindo as descrições do paraíso.

De que ela era megalomaníaco ninguém duvida. Basta olhar para o imenso mausoléu.

As flores feitas de pedras semi-preciosas foram engastadas no mármore

Estas foram esculpidas numa longa pedra de mármore branco

Mais adornos engastados nas paredes do palácio


As descobertas da ciência podem abalar o mito, mas não acabam com a magia do Taj Mahal. Esta está sendo destruída mesmo é pela poluição lançada na atmosfera por automóveis e indústrias da região.

A chuva se tornou ácida e já há alguns anos vem correndo o mármore do palácio. Trabalhos de recuperação da estrutura vêm sendo feitos e algumas medidas de contenção da emissão de poluentes têm sido tomadas, mas a verdade é que o palácio está ameaçado.

Além disso, o rio que passa por trás dele foi assoreado, perdeu vazão e baixou. O terreno se tornou instável e os alicerces dos minaretes ao norte estão abalados.

Ou seja, enquanto a ciência especula as intenções românticas de Shah Jahal, nosso estilo de vida está prestes a acabar com a estrutura física da representação do amor eterno.

As cúpulas do Taj Mahal e, abaixo, a mesquita que faz parte do complexo

P.S. – Mumtaz morreu em 1631 e a obra começou em 1632, mas só acabou em 1653. A dúvida é: onde ficou enterrado o corpo da Mumtaz enquanto o Taj não ficava pronto?

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Uma história tristíssima

Assisti a história na TV esta semana:

Cerca que 15 angolanos que ficaram cegos por causa da guerra civil vieram para o Brasil há uns 10 anos, mais especificamente para o Paraná, e aqui ingressaram na faculdade de música. Como muitos no seu país, eles foram estudar no exterior com apoio financeiro de bolsas e assumiram o compromisso de voltarem, depois de formados, para dar o seu "contributo" na reconstrução nacional.

Tudo muito bem se agora, faltando alguns semestres para a formatura - quando todos já estão tocando piano divinamente -, a instituição de fomento ao estudo, baseada em Luanda, não mandasse o recado categórico de que o dinheiro acabou e que os angolanos precisam voltar urgentemente para o seu país. 

Terríveis como só eles sabem ser, os jornalistas fizeram uma matéria dramática mostrando o sofrimento dessas pessoas, a dificuldade para viver uma vida sem exergar nada, o amor que já tinham pelo Brasil e o risco que corriam em voltar para o país sem a formação completa - além, claro, de questionar o que um grupo de pianistas cegos iam fazer em Luanda, nessa altura da reconstrução nacional. 

Rampas nas ruas das Ingombotas? Braile nas entradas dos teatros onde eles forem tocar? Sinal sonoro no cruzamento da Rua Rey Katyavala? É bom lembrar que eles vivem, atualmente, em Curitiba, exemplo mundial de bons equipamentos urbanos, inclusive para quem não exerga um palmo à frente do nariz. Aliás, não exerga nem o nariz.

O Instituto dos Cegos do Paraná entrou na justiça para evitar a "deportacão" do grupo e, segundo a TV, agora é a fundação angolana que vai recorrer na justiça para ter os seus "retornados" em casa o mais breve possível.

E por que a foto do José Saramago no início desse post? Porque, num caso desses, a leitura ou a apreciação fílmica do "Ensaio Sobre a Cegueira" seria, em princípio, um começo de conversa para a solução do caso.

Um grupo de pianistas cegos "aterrando" em Luanda. Nem Saramago pensou nisso.



sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Nova Índia

Mumbai, Aeroporto Doméstico, 4h00 am, 4 de fevereiro de 2009

No saguão do aeroporto domestíc de Mumbai, depois de uma peregrinação errante pela cidade (leia aqui), nos aproximamos do balcão da Jet Airways.

Explicamos nosso infortúnio a uma jovem que fala um inglês perfeito. Queremos mudar nossa passagem aérea do vôo de 14h45 para o primeiro da manhã com destino a Delhi.

Ela consulta os computadores, digita algumas teclas e nos emite o novo bilhete. Sem cobranças extras, sem reclamação. Estamos no vôo que partirá às 7h.

Entramos no saguão lotado do moderníssimo aeroporto domestíc e somos encaminhados para o primeiro raio-x. Das malas que serão despachadas. Depois de verificadas, elas são seladas pelos funcionários da companhia. Medida de segurança, que foi reforçada depois dos ataques terroristas de novembro passado.

Fazemos o check-in, despachamos a mala e vamos tirar um cochilo num café com confortáveis sofás onde outros turistas estrangeiros roncam à solta.

Às 5h30 despertamos e vamos para a imensa fila de checagem. Penso que certamente haverá atrasos, porque é muita gente na fila. Mas a nova checagem de segurança, desta vez feita pelo exército indiano é muito eficiente. Eles abrem bagagem de mão, fazem revista corporal depois do detector de metais, mas são vários homens trabalhando e tudo é muito rápido.

Na sala de embarque, computadores oferecem acesso gratuito à Internet.

Às 6h20, a companhia começa a chamar os passageiros, os soldados checam novamente os selos de inspeção das bagagens na porta, todos embarcam e o avião decola, lotado, às 7h em ponto. Rápido, eficiente e bem organizado.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sabor local

Como todo mundo sabe, na Índia a vaca é um animal sagrado. Portanto, não existe a menor chance de saborear picanha, filé mignon ou qualquer tipo de beef por aqui.

Mesmo assim, a Índia tem MacDonalds. Mas como sobreviveria a cadeia internacional de hambúrgueres sem o Big Mac, seu carro chefe no mundo todo?

Com vocês, a solução: Chicken Maharaja Mac.




A receita é simples: dois hambúrgueres (de frango), alface, queijo, molho especial (no caso ligeiramente apimentado e com curry, para satisfazer o gosto local), cebola e picles no pão com gergelim.

Acompanhado por batatas e gasosa custa 125 rupias. Noves fora o câmbio sai por USD 2,60.

Provei ontem em Bangalore e posso garantir que o sabor é bem interessante.

P.S. – Alguns pratos non veg na Índia levam carne de carneiro ou de bode, mas o campeão de bilheteria é mesmo o frango. Ou me torno vegetariano, ou vou criar penas até o final da viagem.

Velha Índia

Aeroporto Internacional de Mumbai, 0h30 am, 4 de fevereiro de 2009.

Acabamos de chegar à Índia e, claro, o shuttle do hotel que deveria nos apanhar não aparece. Temos uma conexão para Delhi amanhã à tarde, marcamos um hotel para descansar um pouco da longa maratona de vôos que começou às 6h30 de ontem em Cape Town.

Esperamos uma hora, então decidimos apanhar um táxi pré-pago. Custa 200 rupias, algo como 4 USD. Pagamos no guichê dentro do aeroporto e nos encaminhamos para o ponto de táxi.

O motorista designado é magro, mal-vestido, barba por fazer. Tem a cara da fome e não fala – nem entende – uma palavra de inglês. Damos o nome do hotel, ele não entende. Mostramos no papel, ele não sabe ler.

Rapidamente, juntam-se a nós outros dez taxistas semi-alfabetizados, alguns com rudimentos de inglês, a língua de instrução da Índia, mas nenhum conhece o hotel.

Alguém tem a brilhante idéia de chamar um agente de um mega-cinco-estrelas que está todo engravatado ali a espera de um cliente. Com inglês perfeito, ele entende onde fica o hotel e explica em hindi ao nosso motorista.

Embarcamos. Ele sai dirigindo como um louco pelas avenidas vazias na madrugada, uma mão na direção, a outra na buzina. Chega ao hotel e, claro, não é o lugar correto.

O recepcionista tenta ajudar. Explica de novo em hindi onde fica o nosso hotel. Nova disparada pela cidade, já com o taxista analfabeto a resmungar – afinal ele sabe falar alguma coisa em inglês – preços:

- Five hundred rupees.
- No way, sir. You got the wrong way. It is not my fault.
- Five hundred rupees more.
- No way. I won’t pay.

Ele deve ter entendido, porque afinal não acha o hotel. São 3h30. Precisamos tomar uma decisão:

- Please, take me to the Domestic Airport.
- X&%#@)*%?
- Domestic Airport.
- Domestíc?
- Yes, domestíc.

Ele volta para o aeroporto doméstico. Chegamos e ele quer 500 rupias. Dou 100. O erro foi dele. Já estou pagando 300 rupias para não chegar a lugar algum. Ele começa discutir em hindi, não quer aceitar. A P. pára um passageiro indiano que está chegando para embarcar. Ele começa a discutir com o motorista, nos defende, o taxista desiste.

Fico no prejuízo da diária do hotel – que já havia sido paga pela Internet no cartão e provavelmente não será reembolsada – e passo o resto da noite no aeroporto domestíc. Mas tudo acaba bem.

Amanhã, este relato continua com um retrato da nova Índia.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Delhi Brasil

Em apenas uma semana, nós conhecemos seis dos 40 brasileiros que vivem na capital da Índia. Um deles, o Gentil, é um paulistano de 26 anos. Brasileiro típico, alegre, expansivo, sempre fazendo piada sobre tudo. Ele mora em Delhi há seis meses e já tem cunhou algumas frases para definir o dia-a-dia de um ocidental neste país. Vamos a elas:

Sobre mulheres:
"Em cinco meses aqui eu só consegui pegar um telefone e, ainda assim, estava errado."
"Na Índia não tem mulher nem no banheiro feminino."

Sobre os filmes de Bollywood:
"São duas horas de dancinha pra cá, dancinha pra lá, sem beijo na boca."

Sobre o trânsito:
"Esse negócio de mão de direção é uma questão muito relativa." (Enquanto entrava na contra-mão de uma avenida de duas pistas para chegar a um posto de gasolina).
"Para entender o ritmo da Índia, você precisa observar como eles atravessam a rua. Se tentar correr, você morre atropelado. Mas se você for bem devagar, mesmo numa auto-estrada, os carros desviam e nada acontece."

Esta última ele atribui ao Luis, outro amigo brasileiro que fizemos aqui e que mantém, com a Júlia, o Shiva em Gurgaon. Para saber mais, leia também as impressões do Flávio, no Paletó de Linho. Os dois blogs já constam da nossa sala de leitura.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Indian Gate



O homem passa roupa na rua com o velho ferro a carvão
Na rua passa solta a vaga preta sagrada
Na lojinha o velho de barbas brancas passa o tempo a queimar incensos
E observa o turista que passa a observar
O homem que passa
A vaca que passa
O tempo que queima o incenso do velho
Na Velha Delhi
Que nunca passa

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Atendimento aos leitores e uma pergunta

Dois dos nossos leitores postaram dúvidas em diferentes posts antigos e então resolvi responder com uma nova postagem, que pode ser útil a futuros leitores com dúvidas semelhantes.

O J., que está prestes a vir para Angola, pergunta sobre cuidados a tomar com a Malária.
Caro J., eu não sou médico e portanto não posso receitar nada a ninguém, mas posso contribuir com a minha experiência. A primeira coisa que lhe pergunto é: quanto tempo vai ficar em Angola? Se for um período longo, (mais de três meses) eu lhe diria para NÃO tomar profilaxia. Os danos que o uso prolongado dessas drogas podem causar ao seu organismo são maiores do que os de uma eventual malária que talvez você nunca pegue. Além disso, a malária não é um bicho de sete cabeças como pensamos no Brasil. Se você tratá-la rapidamente e com bons medicamentos, fica curado em três dias e sem seqüelas. Se for um período curto, você pode considerar tomar a profilaxia, mas nesse caso é melhor se informar sobre outras drogas menos lesivas. O Mephaquim tem efeitos colaterais horríveis, principalmente alucinações durante o sono. Eu passei três meses na África em 2005 e tomei uma profilaxia (já nem me lembro qual), mas se fosse hoje, com a experiência que tenho agora, não teria tomado. O melhor contra a malária é a prevenção. Compre um bom mosquiteiro tratado e instale sobre a cama. Evite se expor no início da manhã e no fim da tarde, horários em que o mosquito mais ataca. Se for para a rua nesses horários, use repelente. Eu passei um ano em Angola com essas medidas e não peguei paludismo.

A professora Damiana Brito pergunta sobre o livro "Bom dia, camaradas", do Ondjak.
Professora, eu não li esse livro específico, mas coloco aqui a sua dúvida para que outros leitores que por ventura o tenham feito possam contribuir com opiniões. Em março estarei de volta ao Brasil e, se for do seu interesse, estou a disposição para um encontro com os seus alunos onde poderia contribuir com um pouco da minha experiência sobre Angola. Se lhe interessar, me escreva com os seus contatos e tentamos combinar por e-mail.

Amigos nos perguntam por e-mail: Por onde andam o F. e a P.?
Nós já saímos de Angola, amigos. Estamos neste momento em Delhi, na Índia, onde a conexão com a internet nem sempre tem sido muito fácil. Daí a ausência deste espaço. Agora, a pergunta a todos os leitores que por aqui passam: vocês se interessariam por ler algumas histórias da Índia?

Respondam à enquete na barra lateral. Se a maioria se interessar, posso publicar algumas coisas aqui nos próximos dias.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Arte Angolana Chega à São Paulo, no Brasil

Visitantes observam exposição em Luanda: São Paulo, no Brasil, também verá arte africana contemporânea

Será aberta amanhã, dia 05, em pleno centro de São Paulo, a primeira galeria de arte africana contemporânea em terras brasileiras. Tendo a Fundação Sindika Dokolo como mentora, a Soso será uma espécie de embaixada cultural de Luanda em nosso país. Na abertura, estarão expostos os trabalhos de quatro jovens artistas angolanos das áreas de vídeo e fotografia. A curadoria é do artista plástico e músico Fernando Alvim e a organização do empresário Mário de Almeida, do restaurante Bahia.

Em Luanda, a Fundação organiza a Trienal (a próxima mostra está prevista para 2010, e eu acho ótima a idéia de, na falta de espaços físicos, utilizar outdoors espalhados pela cidade como suportes para as obras. Com certeza irei ver essa exposição e rever Luanda), promoveu a mostra Luanda Pop, na última Bienal de Veneza, e patrocina a banda Next, um grupo que faz música eletrico-afro-acústica e é minha última lembrança sonora do Elinga Teatro. Se saudades matassem, eu estava no esquife.

O mais bacana desta notícia, para além de termos Angola agora mais ao nosso lado no Brasil, é que o novo espaço vai contribuir para a revitalização urbana do Vale do Anhagabaú, uma região belíssima do centro de São Paulo onde está o Teatro Municipal e a Praça da República. O poder público abandonou essa zona da cidade por décadas, mas agora ela renasce, belíssima, sob a responsabilidade da iniciativa privada. Os angolanos marcaram um super gol em estabelecerem-se "nesse sítio".

Instalada num andar do Edifício Seguradoras, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o mesmo que projetou Brasília, a galeria fica ao lado do prédio dos Correios, no comecinho da Avenida São João. Quando você vier à São Paulo, visite a Soso e dê também um pulinho na Pinacoteca do Estado, na Sala São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, no Centro Cultural Banco do Brasil e no Museu Afro Brasil, este último no Parque do Ibirapuera. É um banho de cultura inesquecível percorrer todos esses espaços.

Sucesso para a Soso.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Já arranjavam que fazer, não?

Meus queridos anónimos também conhecidos por senhores vigilantes da Casa de Luanda, agora, sempre que vos apetecer ir dar um passeio até meu MCG, escrever uns insultozitos, fiquem conscientes que só eu vou ter acesso a essas maravilhas da escrita! Por isso, pensem bem antes de escrever palermices, sim? Porque já sabem o destino. Ah? Não sabem? Então a migas explica. Vamos lá então ao serviço público. Sabem o que é um teclado, certo? Sabem aquela teclazita com um D, um E e um L? Tudo junto: DEL? Em inglês, equivale ao DELETE, certo? Apagar. Lixinho. Não interessa. Passa à frente. Para mim, significa isto tudo. Por isso, antes de perderem tempo em escrever poesia para os meus ouvidos, lembrem-se que a migas até é bem capaz de se rir um bocadito convosco, antes de colocar o dedito na tecla DEL. E tudo o que não devem querer é fazer a migas rir, imagino. Ainda por cima, isso de fazerem copy-paste de post em post, não joga muito a favor da vossa inteligência. Por isso, meus caros, juízo nessa cabeça, sim?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O dia que eu quase fui parar na Esquadra

Não tive como recusar o convite feito com tanto entusiasmo pelo F. Então cá estou estreando no ecrã, como disse o bom e velho X, da Casa de Luanda. E não poderia estrear nessa casa de outra forma além de crítica, afinal tenho a enorme responsabilidade de manter a casa em ordem.

Ao ler o texto da Migas me lembrei de um caso surreal que aconteceu comigo no ano passado. Estava eu dirigindo meu carrinho comportadamente pelo largo do kinaxixi quando o Sr. Oficial me manda parar. Pede meus documentos e em nenhum momento fala o porquê de ter parado meu carro no meio do caos que é o trânsito no largo do kinaxixi. A seguir se deu um diálogo tão surreal que é impossível de ser descrito aqui, mas eu vou tentar...

Amigo: _ Sr, mas por que o senhor está multando-a?
Oficial: _ O pá, o Sr é o condutor? Não estou falando com o Senhor. Tá calado!
Amigo: _ Não senhor, mas eu só queria ajudá-la.
Oficial: _ Ohhhhh Vou te prender!!!! O senhor não é o condutor. Cala-te!
Euzinha entre os dois: _ Calma senhor! Amigo, deixa que eu falo com ele.
Amigo: _ Tá não precisa ficar nervoso oficial, eu só queria saber o que ela fez de errado para ser multada.
Oficial:_ Tás vendo alguma multa aqui? Vou te prender. Tas preso... Não estou a falar contigo.
Euzinha: _ Calma oficial a gente só quer entender o que aconteceu.
Oficial: (agora muito bravo). Pare o carro lá na esquadra móvel e me espere lá.

E lá fui eu parar o carro na esquadra móvel, enquanto o amigo ligava para o responsável dos transportes da empresa. Quando ele chegou o policial ainda não tinha vindo ter conosco e fomos até ele, tentar pegar minha carteira de habilitação.

Responsável pelo transporte: Sr. Oficial o senhor está com os documentos da senhora...
Oficial: _ Ooooo pá! Mas não mandei a senhora esperar na esquadra móvel?
Responsável pelo transporte: Mas eu sou responsável pelos transportes da empresa e queria saber o que a senhora fez..
Oficial (furioso):Ahhhhhhh mas a senhora sabe muito bem o que ela fez.... Vai esperar na esquadra móvel.
Euzinha: ????????????????????????

Voltamos para a esquadra móvel e mandamos os dois amigos que estavam no carro irem embora porque o oficial estava mesmo é querendo arrumar confusão ou como a gente bem sabe garantir uma graninha extra para o final de semana.

Depois de meia hora esperando na esquadra móvel, aparece o Sr. Oficial.

Oficial: O que se passa é o seguinte. A senhora não fez nada de errado, eu recebi uma notificação para parar todos os carros que tenham o final de placa igual ao dela para verificar. Os documentos da senhora estão todos corretos, não há problemas. Mas o senhor, cadê o senhor? O senhor fugiu? Eu disse que estava preso! Cadê o senhor?

Responsável pelo transporte: _ Ele foi embora
Euzinha: _ Ele voltou para o trabalho, tinha uma reunião na sonangol.
Oficial:_ Então o carro está apreendido até o senhor voltar.
Responsável pelo transporte.: _Mas o senhor disse que não havia nada de errado com o carro.
Oficial: _ Mas vocês deixaram o senhor fugir...
Responsável pelo transporte: _ Tá bom, ta aqui a chave pode levar.
Oficial: _ Mas a senhora vai comigo. Vai ficar na esquadra até o senhor chegar.
Euzinha:_ Eu não!!!!
Responsável pelo transporte:_ Mas a senhora não fez nada, não é justo ela ser responsabilizada.
Oficial:_ A senhora deixou o senhor fugir. Vai pra esquadra.
Responsável pelo transporte:_ Tá bom, então eu vou junto
Oficial: _ Não!!! O senhor não vai. A senhora vai sozinha.
Euzinha: Cara de pânico!!!! Sozinha???????????
Responsável pelo transporte: _ Não vai não, eu vou junto!
Oficial: _ Vou te prender!!! Já disse que eu vou sozinho com ela no carro.
Responsável pelo transporte: _ Tá bom vc vai no carro e eu vou no meu carro
Oficial: _ Não vai!!!! Vou te prender

No meio desse bate boca que foi realizado no melhor estilo angolano de ser (em alto e em bom som), chega um outro oficial mais velho de alta patente e pergunta o que está acontecendo.

O oficial explica todo o ocorrido, na versão dele é claro. Dando muita ênfase ao desrespeito do senhor brasileiro que fugiu após gritar e insultar o oficial.

Não sei quando ele gritou, muito menos quando ele ofendeu o Sr. Oficial, mas foi essa a versão dele para os fatos, mesmo eu e o responsável pelos transportes alegar que não era verdade.

O oficial mais velho puxa de lado o oficial mais novo, que ao nosso entender só podia estar drogado, bêbado ou alucinado de alguma forma. Depois de dois minutos o oficial mais velho volta com os meus documentos. E diz:

_ Podem ir embora, mas não façam mais nada de errado, hem!!!

Peguei os documentos e fui embora, mesmo sabendo que eu não tinha feito nada de errado. O pior não é nem a humilhação é a sensação de alivio por ter sido liberada sem ter de pagar gasosa por não ter feito nada de errado.

Será que no Brasil isso teria acontecido? Será que nos EUA isso teria acontecido? Será que em Portugal isso teria acontecido?

Tenho pra mim, que essas coisas acontecem em Angola por dois motivos básicos: preconceito e despreparo.